sexta-feira, abril 24

25 de Abril

Já não se inspirava fundo há muito...
...o ar escasso já mal nos chegava aos pulmões...
... coragem,talvez o último furo do cinto... mmmnnn, ui, só mais um furinho, devagarinho, suster a respiração;
... finjo-me de morto, o frigorífico vazio anuncia-me com frieza: - Nesta casa os restos de ontem não garantem a fome de amanhã...
Descalabro, hecatombe, tsunami...derrocada, pumba e catrapumba, fujam... vem aí o seguro do carro, ai, ui, o IRC, mais o modelo 3 que não entra, 1, 2, insiste, insiste de novo, vai uma, vai duas, o tempo a passar, os prazos a fugir, "as pulgas a saltar e as meninas a aprender , quem será a mais bonita... " lá entrou... porra... vem multa, entre tentativas estou com uma semana de atraso, vem coima... que nome feio, este!!! Coima que os pariu!!!
... e nós rapa no fundo, conta o tostão, mexe e remexe no que já foram as sobras de ontem, mas o fundo do tacho já alguém o rapou... ou lambeu...
...assim se leva, assim se vai, "as pulguinhas a saltar e as meninas a aprender"... Aguentem, respirem com o ar que retiveram nos pulmões,ninguém se lembra há quanto tempo, se calhar está para lá de inválido, fora de prazo! Não há outro, aguentem-se, respirem, inspirem, não se deixem ir abaixo, olhem à volta...
Submersos em água, expectantes, aflitos por uma bela inspiração, assim encontro à minha volta um número considerável portugueses, cujo patrão é o dono do negócio, o chefe manda, ele sabe quanto nos paga, quanto nos rouba, já que aquilo que nos leva não paga a justiça que precisamos mas não temos, a saúde que se ansiava saudável, mas está mais moribunda do que um doente terminal, a educação de merda que nos leva em livros as prestações do mês de Setembro... e de Outubro... e que nos ensina os filhos a saberem coisa alguma, que no futuro não lhes vai servir para nada... nem para apertar um parafuso ou saber onde fica "a França"!
Em troca dão-nos estradas que não nos levam a nenhum lado, pontes que nos ligam a coisa nenhuma, projectos que implementados servem a meia dúzia, e folhetins políticos menos credíveis do que a escrava Isaura!
Afinal, eu só queria sustentar com o meu trabalho uma vidinha "remediada", dispenso até o restaurante, as férias por dentro ou fora, as roupas e os cabeleireiros, os perfumes e as extravagâncias, a cultura dos livros, do cinema e do teatro, como alface deixo a rúcula, a sardinha e o carapau, levem-me as lulas e os linguados... mas não há gaija que aguente um frigorífico vazio, adiar a compra de material para a escola, deixar de ir ao médico ou dentista, tudo isto em cima de um pólo aos soluços rolando sobre uns pneus carecas , encolhido e assustado porque vai, concerteza, chumbar no exame... já não é por mim é por ele, coitado vai esbarrar numa lista de incapacidades... e eu a ver...
... e depois não querem que haja depressões???...era bom, era... mas se já nos falta o ar nos pulmões há muito... estamos em apneia prolongada, forçada, imposta, o cinto está no último furo, mas folgado pois, miraculosamente, nós vamos encolhendo dentro dele...
Tudo isto era porquê.???.. ah já me vou lembrando... é aquilo do 25 de coiso, era mesmo só para vos lembrar... é que pensei nisso, ainda agora... pensem também , se vos der na bolha, se vos aprouver, aproveitem, é já amanhã, o tal de 25 de Abril...
Uma pena... parece que só serviu para deixarmos de apreciar os cravos vermelhos como merecem, cheiram tão bem, são belíssimos, sem pompa, sem peneiras, uma flor que coitada, a bem dizer nem teve ou tem culpa de nada disto!
Caiu em desuso, em descrédito... nunca mais ninguém a olhou só por aquilo que é... um flor vermelha tão bonita e cheirosa! ... e não foi tida nem achada... ele há grandes maldades... é que não lhe perdoam...já lá vão tantos anos, décadas mesmo ... e do 25 de Abril já todos se esqueceram... agora a fama dos cravos vermelhos é que ficou... acho que foi mesmo só isso que ficou...

8 comentários:

eu disse...

belíssimo, não fora tão real....

um beijo e belos zunidos por aí. g.

inconfessável disse...

Ficou também, Inês, um país tão diferente que nem tem hipótese de ser comparado
Mas o que sobra no pensamento são memórias do que podia ter sido

beijinho

inconfessável disse...

esqueci-me de assinar o anterior
Minucha

Luís disse...

Pois é Inês, as pessoas que pensavam que o 25 de Abril, ia resolver as dificuldades dos Portugueses, como se fosse uma grande varinha de condão, devem agora estar desiludidas. O País é o mesmo, as pessoas são as mesmas.
E quanto ao desemprego, ele tem de ser combatido criando-se postos de trabalho. E não é com a demagogia que eles aparecem. Se não houver empresários não há trabalho. E para os empresários arriscarem, e irem pedir dinheiro ao Banco, e criarem postos de trabalho, têm de ter alguma perspectiva de lucro. Senão vão apostar noutro País. Ou ficam a dormir em casa. Vês outra maneira de resolver o problema?

inespimentel disse...

Brigada G!
Claro Minuxa, tudo está muito menos cinzento, não poderiamos senão evoluir... mas estamos demasiado aquem daquele espírito solidário do pós 25 de Abril!
Luis claro que há espaço para ricos e pobres, empregadores e empregados, empresários e operários, estou 100% de acordo! Já não estou de acordo é com as discrepâncias gritantes entre a vida de uns e outros! E há
bens que considero essenciais, sem eles estarem assegurados não existe justiça social!

Marta disse...

Gostei tanto, Inês!
Gostei mesmo muito.
Muito Mesmo.
Obrigada.

Cristina Paulo disse...

O 25 de Abril foi visto como o milagre que ia fazer de Portugal um paraíso da liberdade, consciência, civismo, abundancia, etc...
Esqueceram-se que esse paraíso tem que ser contruido todos os dias, com atitudes e acções concretas. Esqueceram-se que a esmagadora maioria da população era analfabeta ou ignorante. Não foram feitas as apostas correctas nem os investimentos necessários...
Portugal continua atrasado...sempre tão atrasado...e eu já nem culpo os governos, a culpa é de quem permite, e todos nós permitimos de uma forma ou de outra :(
100% contigo Inês!
Bjos meus

inespimentel disse...

Marta, obrigada pela visita; e, apesar da caricatura que pode ser exagerada, estou no essencial convencida que não andamos longe da realidade que descrevi!Como tu também eu concordo com o que ficou dito!
Pois é Siala não podia estar mais de acordo contigo!

o que me faz feliz

o que me faz feliz
o meu mundo ao contrário

O meu Farol

O meu Farol

A bela foto

A bela foto
o descanço dos meus olhos

A minha cama na relva

A minha cama na relva

O meu Algarve

O meu Algarve

...enquanto uns trabalham...

...enquanto uns trabalham...