A ideia de normalidade tira-me do sério
É que, a bem dizer, tal não existe
Todos sabemos que não há quem não tenha a sua pancada, salvo as excepções que a regra implica.
É de tal maneira grave presumir que a normalidade é a norma, que, temos neste momento uma situação profundamente anormal e injusta nas escolas, a ser vivida por um número significativo de alunos, os seus professores e as suas famílias... estamos de facto a comprometer um futuro improvável para quem nasceu com um qualquer ritmo que os demais entendem não ser o que as expectativas prometiam...
A verdade é que a normalidade é uma abstração quadrada, que deixa de fora grande parte de nós.
Era suposto os alunos portugueses só transitarem do ensino básico para o ciclo depois de adquiridos determinados "saberes".
Um enorme número de crianças não os atinge. Os seus professores esforçavam-se, até ao desespero, para os puxar, ou empurrar, até à fronteira, esperando que do outro lado uma mão firme e bem preparada lhes pudesse amparar o percurso a partir daí... infelizmente o sistema é cego, não tem cara, nem corpo, tem apenas decretos e leis que uniformizam, e tentam normalizar situações que são cada uma um caso, todas diferentes e não é ignorando, como se pretende fazer, integrando estas crianças em grupos grandes, de turmas regulares com ritmos equiparados entre elas, que vamos conseguir resultados mínimos satisfatórios!
Como podemos pedir a uma criança que entenda as regras básicas da matemática ou da língua portuguesa se ela desconhece a existência de REGRAS???
Como se pode esperar duma criança, com um enorme défice de concentração, que se aperceba da presença de um professor numa sala, onde vinte, ou mais, alunos barulhentos interagem entre si, levando para voos interiores a réstia de capacidade de concentração que podia ter esta criança!
Não seria muito mais realista aceitarmos a diferença, muito menos cruel? Nem posso imaginar o sofrimento e o desfazamento em que se desenrolam estes dias infindáveis de aulas de história, geografia,etc, etc, têm estes miúdos que aguentar um castigo que não merecem, não lhes adianta NADA... já não falando do prejuízo para uma turma, com programas extensos, maçudos e desadequados, com um professor aflito para cumprir timmings impostos por quem nunca trabalhou no terreno, digo eu que nem percebo nada disto.
Certos miúdos tinham muito mais a aprender com um adulto meigo e paciente que simplesmente lhes desse a mão e os levasse a viver um dia simples e organizado com lógica e consequência... estilo, vamos às compras, temos de fazer uma sopa, ou uma massa, tudo o que isso implica, entre escolhas, esperas, encontros e surpresas, um dia a dia simples, aprender a partir de um nada, lançar um projecto básico, vamos à rua, vamos ao parque ou ao supermercado, afinal uma mãe emprestada, um tutor, alguém que procure dentro deles o fio duma meada que no meio de uma turma e com nnn disciplinas a serem ministradas, só pode saír uma resposta autista do ostracismo a que este tipo de crueldade os pode remeter!
Vão todos concluir o 9º ano, mas a que custo, para enganar quem, a troco de quê???
Ensinem-nos a andar na rua, a terem higiene, a sentar, a esperar, a usar as ferramentas com que veio apetrechado para ser o mais autónomo e útil primeiro a si, depois à sociedade a que pertence mas, e acima de tudo isto ensinem-nos a ser um pouco ou muito felizes, se isto não é fácil para os outros para eles, com o rumo que lhes estamos a dar, pode vir a ser ainda mais complicado do que seria desejável.
Não é justo... nem para eles que têm direito ao seu ritmo próprio, nem para os professores, nem para as famílias... a dignidade de todos fica posta em causa, andamos a brincar com um assunto tão melindroso pensando que podemos iludir uma realidade que desta maneira vai crescendo, crescendo sem solução, à custa do sofrimento e do esforço de todos os que estão implicados neste insustentável processo em que todos saem a perder, principalmente estas crianças que vejo todos os dias na minha escola, misturados numa massa quase anónima em que a vaga noção que têm de si e dos outros se dilui irremediavelmente!
então bom fim de semana, para eles e os outros, para mim , vocês e os demais